MARACATU

Adaptação de textos de Roberto Benjamin por José Fernando Souza e Silva, da Comissão Pernambucana de Folclore.

O maracatu de baque virado — também denominado como maracatu nação e maracatu nação africana — é um folguedo carnavalesco pernambucano que se constitui sob a forma de cortejo e se assemelha ao cerimonial de coroações de reis negros.

A denominação maracatu de baque virado dá ênfase à característica musical do grupo; diz-se que o toque dos maracatus africanos é de baque virado, em contraposição ao toque dos maracatus da zona rural, denominados também como maracatu de baque solto, maracatu de orquestra e maracatu rural.

A maioria dos maracatus nação — assim como o Leão Coroado — tem os seus integrantes afiliados às religiões dos orixás, embora, na contemporaneidade, estejam sendo constituídos maracatus nação sem qualquer vinculação religiosa.

A marca da cultura africana está na música e na dança, como também na organização social dos grupos e na sua ligação com os cultos afro-brasileiros, ligação que é tão forte que o maracatu tem sido tomado como uma expressão religiosa. Na verdade, o maracatu é manifestação lúdica dos grupos religiosos de cultos de povos jêje-nagô do Recife (jêje: nome que se dá, no Brasil, a indivíduo não iorubá, originário da antiga Costa dos Escravos; nagô: indivíduo dos nagôs, povo de língua iorubana que vive na República do Benim, na África).

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Créditos: Roberto Benjamin, figurantes: palio, lampião, rainha Lola e rei Paulo de Ogum, príncipe e princesa, baianas, a frente dos batuqueiros com o apito o mestre Luiz de França, desfile noturno carnaval, Pátio de Santa Cruz, Bairro de Boa Vista, Recife, PE, ano 1991. Acervo Comissão Pernambucana de Folclore.

A palavra maracatu, cuja etimologia não foi ainda estabelecida, parece ser onomatopaica, criada a partir de sons dos tambores. Há quem diga que seria uma senha, combinada para anunciar a chegada de policiais que vinham reprimir a brincadeira, anunciada pelo toque dos tambores, emitindo o som maracatu / maracatu / maracatu.

É preciso elucidar que na África não há nada parecido com os nossos maracatus, que, hoje, resumem-se a um cortejo — o desfile de uma corte real negra, obedecendo ao estilo das procissões católicas, inclusive nos trajes, que procuram imitar o vestuário do que teria sido a corte portuguesa dos tempos coloniais, sendo visível a influência da roupagem feminina da estatuária barroca, especialmente das imagens de Nossa Senhora. Assim, não se encontra no maracatu um significado autenticamente africano.

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Créditos: Foto do Rei Leandro e a Rainha Morgana, o Mestre Afonso ao lado do rei. Noite dos Tambores de Recife, ano 2001, acervo Leão Coroado.

Durante todo o período em que a escravização de africanos e afrodescendentes foi praticada no Brasil, pessoas que se encontravam reduzidas à condição de escravos nunca deixaram de resistir, de maneiras as mais diversas, a essa situação: sabotavam as tarefas do trabalho árduo que lhes eram exigidas; praticavam fugas individuais ou coletivas; assassinavam senhores e feitores; definhavam até a morte com o banzo (enfermidade que se expressava como nostalgia mortal, que atacava os negros trazidos escravizados da África); cometiam suicídios; promoviam revoltas nas áreas rurais e urbanas.

A agregação em quilombos foi uma das formas mais características da resistência das pessoas negras à condição de escravos. Os quilombos representavam lugares de oposição à violência e opressão, de expressão da liberdade, de reinvenção, autodeterminação e empoderamento.

Como eram pessoas que provinham de diversas partes da África e aqui foram dispersadas e, ao mesmo tempo, submetidas à convivência com pessoas de outras diferentes regiões, fazeres e culturas, resistiram também através da prática de religiões que aproveitavam as crenças, as formas de culto e os rituais que haviam trazido — apesar da condenação e vigilância do clero colonial, funcionando como mecanismo a serviço dos poderes econômico e público.

Resistiram, ainda, com a criação e com o desenvolvimento de culturas novas, as culturas brasileiras, expressas, sobretudo, em festas, na prática da culinária, no canto e na dança próprios ou calcados nas suas origens.

Um exemplo é o Maracatu Leão Coroado.

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Créditos: Porta estandarte e batuqueiros do Maracatu Leão Coroado, fotografa Andrezza Lôbo, Festival do Caribe Cuba, ano 2009, acervo Leão Coroado.

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Créditos: Dona Joana, porta estandarte do Maracatu Nação Leão Coroado, fotografa Katarina Real, ano 1966, desfile no centro do Recife, acervo FUNDAJ.