HISTÓRIA

Talvez não existam mais elementos que possam, no momento, servir para abonar a pesquisa da história do Leão Coroado nas quadras do começo da sua existência. Esta é a razão que faz com que o ano da fundação — 1863 — seja presumido a partir do registro de uma ocorrência policial na imprensa pernambucana.

Provocação – Comunicam-nos: “No domingo, às 3½ da tarde, no Beco do Sarapatel n. 10, quando a Sociedade Carnavalesca Cambinda do Porto, conhecida por Leão Coroado, efetuava a sua eleição para a nova diretoria, compareceram ali 4 indivíduos estranhos à mesma, chamados Augusto Quebra-Pratos, João Antonio Nepomuceno, conhecido por Beraldo, Gabriel Francisco de Souza e um tal de Benedito, armados de facas de ponta, e começaram a provocar os associados proferindo palavras injuriosas que ofendiam as famílias vizinhas. A não ser a prudência dos sócios teria havido cenas deploráveis. Para conter a fúria dos desordeiros, foi preciso que alguns vizinhos apitassem, pois que nenhum dos sócios podia sair para avisar a polícia por terem os cujos tomado conta da janela e porta. Depois que ouviram os apitos, saíram, sendo perseguidos pelo povo. Avisado pelo dono da casa do ocorrido, o Sr. Tenente comandante da 1ª estação deu as devidas providências, capturando dois do grupo. Estes indivíduos já são conhecidos quer pelas desordens que costumam praticar, quer por pertencerem à companhia do Olho-Vivo, e principalmente o tal Gabriel, que consta ter um processo por crime de ferimentos” (Diario de Pernambuco, 15/03/1863).

Toma-se esta data como referência, não obstante existirem outros elementos para se afirmar a anterioridade da data de fundação, que teria ocorrido no bairro portuário e, ainda, com a denominação de Cambinda do Porto.

O Maracatu saiu do bairro do porto para se instalar — sempre na residência de seus dirigentes — nos bairros de São José, Boa Vista, Afogados e na Bomba do Hemetério (na Rua Pastor Benobi, 181, do Córrego do Cotó).

Até o tempo presente, quando é uma das mais importantes agremiações do Carnaval de Pernambuco, o Leão Coroado guarda as características de folguedo criado por africanos, nos moldes das culturas que trouxeram para o Brasil e das circunstâncias da catequese cristã a que foram compulsoriamente submetidos, aceitando (conscientemente ou não) o vínculo com outra realidade religiosa, na qual lhes foi atribuída Nossa Senhora do Rosário como padroeira e em cuja festa assimilaram a integração às celebrações de reis negros.

Créditos foto à esquerda: fotografa Katarina Real registro do desfile do maracatu, Praça da Independência, Recife, ano 1961, acervo FUNDAJ.

Créditos foto à direita: Katarina Real, ingresso ao terreiro ano 1967, Acervo FUNDAJ.

Não faz muito tempo que a memória daquela festa era recordada nos relatos de negros velhos que testemunham a sua origem católica. Além disso, alguns grupos continuam a realizar reverências com cânticos em honra de Nossa Senhora do Rosário, nas portas das suas igrejas.

O maracatu Leão Coroado sempre veio às ruas para o Carnaval, salvo nos anos de 1918 (por guardar luto pelo falecimento do seu dirigente Laureano Manoel dos Santos, pai biológico de Luiz de França, que pode ter sido o fundador ou um dos fundadores do maracatu); de 1954 (por luto pelo falecimento da rainha Dona Martinha); e de 1996, quando se consumou o esfacelamento da comunidade de culto do terreiro de Luiz de França, de onde provinham os integrantes do folguedo.

luiz de frança (11)Créditos: Retrato do Mestre Luiz de França com agogô na mão, fotografia de Stela Maris Alves de Oliveira, Córrego do Cotó, Agua Fría, Recife, PE, ANO 1982.

Atualmente organizado e conduzido por Mestre Afonso Aguiar, o Leão Coroado chegou às mãos deste pelo Mestre Luiz de França (1901-1997), babalorixá e membro da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Santo Antônio e da Irmandade de São Benedito da Igreja de São Gonçalo da Boa Vista, que regeu o Leão durante 40 anos. Luiz, por sua vez, recebeu o Maracatu através de um padrinho, que também era dirigente da Irmandade do Rosário dos Pretos. Registros históricos de 8 de dezembro de 1863 dão conta de que o Maracatu Nação Leão Coroado foi fundado nessa data.

mestre Afonso

Créditos: Retrato do mestre Afonso, fotografo Diego Di Niglio, ano 2013, acervo Leão Coroado.

De lá para cá, o Leão Coroado destinou-se a ser cosmopolita, num contexto em que, para ele, as fronteiras perderam o sentido e em que a noção de tempo se subverteu. Assim, ele é um desafio e uma descoberta para os que se interessam por história e por dinâmica cultural.